Minas Gerais faz da educação instrumento contra o racismo
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Minas Gerais faz da educação instrumento contra o racismo

Minas Gerais faz da educação instrumento contra o racismo

No Dia Nacional da Consciência Negra, Governo do Estado celebra avanços de políticas públicas para incluir a temática da igualdade racial no âmbito escolar. Campanha AfroConsciência gera frutos e se reflete em números

“Com nove anos eu comecei a alisar meu cabelo. Morava em São Paulo e tinha ganhado uma bolsa para estudar em escola particular. Quando fui para a aula com o cabelo cacheado, entrei na sala e um menino gritou que ‘a negrinha da senzala’ tinha chegado. Cheguei em casa e pedi para a minha mãe fazer o alisamento. E só aí comecei a ter amigos na escola”. Este é o relato da Flávia Eduarda Machado, de 17 anos, mas é também o de muitas pessoas que convivem, diariamente, com o racismo no Brasil.

Flávia é estudante da Escola Estadual Nair Mendes Moreira, em Contagem, e viu sua autoestima mudar quando entrou na instituição, que foi premiada em 2015 pelo Programa Gestão Escolar para a Equidade – Juventude Negra, do Instituto Unibanco.

No Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado neste 20 de novembro, Minas Gerais contabiliza diversos avanços na temática de igualdade racial, e ainda desafios pela frente. Logo no início da gestão, em março de 2015, o governador Fernando Pimentel lançou a Campanha AfroConsciência, que instituiu uma política de ensino voltada às relações de igualdade racial nas escolas do Estado.

Durante o lançamento, o governador assinou um Acordo de Cooperação Técnica com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir/PR) para a execução de ações de enfrentamento ao racismo e promoção da igualdade racial no âmbito educacional. Com isso, Minas Gerais se tornou o primeiro estado a usar a educação como instrumento efetivo contra o racismo.

A campanha já colhe seus frutos: em 2015, apenas 20% das escolas estaduais apresentavam trabalhos referentes à Lei 10.639/03. Hoje, 70% já têm projetos relacionados à História da África e Cultura Afro-brasileira.

A Lei nº 10.639 tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio e serviu de base para que as Superintendências Regionais de Ensino (SREs) e as escolas estaduais desenvolvessem atividades e resgatassem a contribuição do povo negro nas áreas social, cultural, econômica e política brasileira.

Desde 2015, estima-se que mais de 1 milhão e 200 mil alunos foram impactados pela campanha em todo o estado. O aumento do número de matrículas na Educação de Jovens e Adultos (EJA) também é reflexo do trabalho: em 2016, foram 114 mil matrículas a mais em relação ao ano anterior, sendo cerca de 70% delas de alunos negros.

Para a superintendente de Modalidades e Temáticas Especiais de Ensino da Secretaria de Estado de Educação (SEE), Iara Pires Viana, os índices são resultado do fomento realizado desde o início desta gestão.

“Para implementar a campanha, fizemos um levantamento nas escolas estaduais e descobrimos que o tema não era tratado, e, quando era, era feito de forma superficial e apenas em datas comemorativas. Precisávamos pensar em políticas públicas que olhassem para estes sujeitos, que reconhecessem a identidade deles, e implementar de fato a lei 10.639, trabalhando esse conteúdo de forma permanente”, afirma Iara.

Mudança na prática

A Escola Estadual Nair Mendes Moreira é um dos grandes exemplos da campanha. Com mais de 900 alunos, a maioria negra, a escola registrava historicamente vários problemas de racismo entre os alunos.

Em 2015, a direção e os professores resolveram implementar um currículo interdisciplinar, que trabalhasse a importância da cultura negra e a história africana. Cada professor incluiu o tema dentro de suas aulas, e a iniciativa deu certo.

“Hoje, o que se vê na escola é outro cenário. Os alunos assumiram seus cabelos crespos e cacheados, estão se amando mais, e isso fica evidente. A violência e a evasão escolar diminuíram, e, em contrapartida, o rendimento de aprendizagem melhorou muito”, relata a diretora da escola, Luciene Ferreira.

Professora de Química na escola, Glenda Rodrigues da Silva foi uma das embaixadoras do projeto. “Sempre usei meu cabelo natural. Pelo cabelo ser o traço mais marcante, quase sempre ele é o que mais incomoda. Eu já fui chamada de bruxa, de cabelo bombril. Então quando o projeto começou eu vi uma forma de levar isso para a sala de aula, inclusive ensinando as alunas a cuidar dos cabelos. Hoje o que mais se vê na escola são meninas e meninos de trança e cabelo natural”, afirma.

A jovem Natiele Dias, 17 anos, está na escola desde 2011, e conta que teve muitos problemas com os colegas naquela época. “Odiava o meu cabelo. Vivia com ele preso, alisava, fazia de tudo. Na primeira vez que eu vim com o cabelo solto eu tinha 12 anos, e foi horrível. Tive bastante problema, minha mãe teve que vir até a escola”, lembra (Ouça aqui o depoimento da Natiele).

Caminhada para Igualdade Racial

Outro exemplo vem de Juiz de Fora, no Território Mata. Em setembro de 2017, a Escola Estadual Fernando Lobo foi alvo de vândalos que picharam uma parte externa do muro da escola com frases de cunho racistas. Diante disso, a unidade, que se tornou um símbolo do combate ao racismo na cidade, será ponto de encontro para a III Caminhada da Promoção da Igualdade Racial, que contará com a presença da secretária de Estado de Educação, Macaé Evaristo. O evento acontece simultaneamente em todo o estado, nesta segunda-feira (20/11).

No dia 1º de novembro a cidade deu a largada no mês da Consciência Negra, com a ação “20 dias de ativismo contra o racismo”, realizada pelo movimento Convergência Negra em parceria com a Superintendência Regional de Ensino (SRE) de Juiz de Fora, com o Conselho Municipal para Promoção da Igualdade Racial e outros movimentos negros do município. Foram realizadas diversas atividades para a mobilização da comunidade.

“Juiz de Fora tem uma enorme desigualdade racial e apresenta a maior taxa do estado de genocídio de jovens negros. A mobilização das escolas e da sociedade como um todo é muito importante para a gente trabalhar intensamente com a temática, não apenas no mês de novembro, mas durante todo o ano”, destaca a superintendente regional de ensino de Juiz de Fora, Fernanda Moura.

A I Caminhada da Promoção da Igualdade Racial, realizada em 2015, mobilizou mais de 160 mil pessoas em Minas Gerais. Este ano, a expectativa da Secretaria de Estado de Educação é que mais de 900 mil pessoas participem.

Campanha AfroConsciência

A implementação da Lei 10.639, que é a base da campanha AfroConsciência, significa uma ruptura profunda com um tipo de postura pedagógica que não reconhece as diferenças resultantes do processo de formação nacional brasileiro. Outra mudança ocorrida a partir da aprovação dessa lei foi a inclusão, no calendário escolar, do Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro.

Como parte das ações da campanha estão a realização de seminários, palestras e diversas formações para os professores estaduais, de forma que eles estejam capacitados para tratar a temática dentro do ambiente escolar.

De acordo com a superintendente de Modalidades e Temáticas Especiais de Ensino da Secretaria de Estado de Educação, Iara Pires Viana, a campanha trouxe de volta muitos estudantes negros que tinham evadido do ambiente escolar.

“Eles voltam com sua identidade posta. E, para fortalecer isso, construímos um trabalho de identidade junto às SREs. A escola hoje trabalha a pauta étnico-racial durante todo o ano letivo. E o melhor: não só nas datas comemorativas, e abordando o tema em diversas disciplinas”, comemora a superintendente.

Iniciação Científica

A Secretaria de Estado de Educação (SEE) lançou, em junho, em parceria com a Fundação de Apoio à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), Instituto Unibanco, Ação Educativa e Observatório de Favelas, o projeto Iniciação Científica no Ensino Médio. A ideia é levar a experiência de pesquisa e extensão a 3.452 estudantes, 221 professores, de 221 instituições de ensino estaduais, de todas as 47 Superintendências Regionais de Ensino (SREs). Inicialmente, já foram selecionados, por meio de edital, 120 projetos de escolas estaduais para integrar dois eixos de pesquisa.

O projeto está estruturado em três ações, sendo uma delas o “Núcleo de Pesquisas e Estudos Africanos, Afro-brasileiros e da Diáspora” (Ubuntu/Nupeaa’s), que tem como enfoque a promoção da igualdade racial pautada no reconhecimento da diversidade como elemento preponderante para o desenvolvimento escolar.

“A iniciação científica vai ao encontro dos desejos das nossas juventudes do ensino médio, que pleiteiam entrar na academia, algo que é distante para alguns, principalmente negros e negras que vivem nas periferias. Nesse sentido, os Nupeaa’s vêm dizer a esses jovens que eles também são capazes e têm plenas condições de estar na Universidade”, afirma Iara. Os núcleos também compõem agenda da Campanha AfroConsciência.

Foram selecionados 94 projetos para integrar o eixo Ubuntu/Nupeaa’s. Iara acredita que a iniciativa deverá impactar mais de 13 mil jovens. “As 94 escolas são os núcleos instalados. São 12 estudantes que se tornam jovens pesquisadores e cada um no processo do projeto irá agregar alunos de outras escolas também. Diretamente, vamos atingir cerca de 2 mil estudantes, mas, indiretamente, serão mais de 13 mil”, conclui a superintendente.

Dia da Consciência Negra

O Dia Nacional da Consciência Negra é comemorado em 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares. Ele foi o último líder do maior dos quilombos do período colonial, o Quilombo dos Palmares. Comemorado há mais de 30 anos por ativistas do movimento negro, a data foi incluída em 2003 no calendário escolar nacional. Contudo, somente a Lei 12.519 de 2011 instituiu oficialmente o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

Fotos (Crédito): Carlos Alberto Pereira / Imprensa MG

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